A Garganta da Serpente
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Pensamentos turvos e curvos

(Atena)

A pista sinuosa na serra à noite, a neblina parecendo gelo seco deixa o escuro lavado de chuva branco e as árvores da Mata Atlântica misteriosas. Venta. Curvas da rodovia manobradas sobre o precipício e a fila de carros no engavetamento com suas lanternas vermelhas acesas fazem sentir-me em um jogo tridimensional, mas logo verei tudo diferente. A bebida corrói meus sentidos devagar.

Que espécie de realidade é essa, tampouco sei quem sou, o que o amanhã me trará, vivo com medo.

O que se faz quando você joga suas próprias convicções na privada e dá a descarga? Tem uma vida inteira pra se arrepender ou pra esquecer de tudo no minuto seguinte?

Tem pessoas diferentes morando dentro de mim. Duas, dez, cem. Elas brigam entre si. Parece que há um consenso sobre como devo agir, mas quando alguém desconhecido toma o controle e faz uma escolha que vai pela contramão de tudo aquilo que já se fez, é como se o cortiço entrasse em convulsão.

Não sei mais quem sou e nem em que acredito. E sempre precisei de valores para suportar essa vida incompreensível, mas hoje não pude contar nem comigo para defendê-los.

Como é possível que tudo isso seja tão importante para mim, tantas as pessoas são incoerentes o tempo todo e nem se importam, mas eu sempre me preocupo com as minhas ações...

Queria ser vazia e fútil, queria que nada me importasse, queria permanecer sob efeito de alucinógenos o tempo todo, qualquer bobagem de moda ou de trabalho que me tomasse o tempo que gasto pensando em meus atos, tentando me entender. Sofrendo, somente, sem chegar a lugar algum com isso.

O frio está cortando meus pulsos.

Sei, sei, as pessoas erram o tempo todo e se arrependem. Talvez se eu me perdoasse, mas, e se o futuro não me perdoar?

Se eu acelerar mais e não girar o volante naquela curva logo à frente aquele muro irá ceder?

Estar livre da ansiedade, eu sentiria medo por um momento, mas tudo logo estaria acabado...

Por quê? Vai, liga esse rádio, esquece o que aconteceu e espera pelo futuro ao invés de tentar vencê-lo adiando-o para sempre.

"... e você estava esperando voar,
mas como chegar até as nuvens com os pés no chão?
"

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