A Última ceia/O Paraíso niilista
Meu filho, por que me temes?!
se sou carne e corpo e sangue e fogo como tu bem és
se tenho rugas e dor e desejos e fome como tu bem tens?!
Venha, dê-me um abraço!
Puxa a cadeira, senta-te (sinta-se)!
O jantar está na mesa. É aurora, eu entendo,
Mas ninguém suporta o mundo inteiro
desnutrido de esperanças
Está nervoso?! Não fiques não, meu filho,
Tu ainda não pereceste ante o próprio vão...
Estamos apenas conversando,
Tu e teu lago - nimbo,
Então, te indago, o que vês?
Não quero que creias em minha concretice
Sou lagartixa preta, pombo, formiga, vento, multidão.
Muito menos que ergas altar ao que pouco entendes
[entenda-me então, quero que entenda
Não alimentes o fogo com a cera de tua meninice
Os ventos são fortes, meu filho, e têm a triste sina
de nos deixar largados ao chão, e temes o chão
como a teu próprio Pai, mas sou apenas grão.
Não me procures nas fotos desbotadas de tua psiquê
Nem me revires nos tijolos de tua ciência
Enquanto ergues templos grades e jaulas [de ouro ou de barro]
- e unge - eu os desfaço
Sente-se (?) logo, meu menino,
Minhas mãos jazem incapazes ante o peso de teu Livro,
e teu filho espera e vê
o lago é grande e calmo e tênue. Lá,
construa um castelo, e o destrua
construa uma casa, e a destrua
uma vida inteira, e a destrua... todos os livros...
Então, nu,
Encontre a formiga sob a lâmina calma repousada
De tuas mais íntimas esperanças.
(Teresina - PI, quarta-feira, 03 de junho de 2009)
(Manoel Guedes de Almeida)
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