A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A rosa vermelha

(Aristides Dornas Júnior)

Caminhava sonolentamente, de manhã, pelas ruas de minha querida cidadezinha quando vi uma rosa vermelha. Era uma flor magnífica e logo pensei em escrever-lhe versos. Mas, os versos me fugiram. Pus-me então a refletir sobre o que me faltara para compor a poesia. O que me faltou foi inspiração. Coloquei-me a seguir a pensar sobre o que era inspiração. Como pode alguém não ter inspiração diante da beleza natural? O que é a beleza da natureza? Será ela melhor e maior que a força estética de uns versos? Não soube me responder. Caminhei para minha casa, almocei e adormeci numa bela sesta. Ao despertar a palavra inspiração me veio novamente à mente. Consultei o dicionário. Lá estava: inspiração é o fazer com que uma idéia ou concepção se manifeste. Pode ser também o ato de encher os pulmões de ar. Qual destas definições seria a mais importante, me perguntei. É claro que o ato de inspirar o ar para os pulmões ganha relevância diante de um pobre diabo como eu que procurava um modo de escrever versos, isto é, me inspirar em. Os versos podem ser consumidos tanto por um belo par de olhos de uma bela mulher, como também podem ser consumidos pela lata de lixo, que é onde os jogamos quando os achamos ruins. Mas, o que seria a inspiração artística, eu me indagava sem resposta.

Conversei amenidades com alguns amigos que vieram me ver e desse modo me distraí um pouco de minha perquirição. Porém, inevitavelmente, logo que os amigos se foram eu voltei ao tema. Sem poder fazer qualquer coisa por mim mesmo, resolvi escrever este textículo. Não que ele vá iluminar o meu problema. Pode até ser que não preste para nada, a não ser para fundamentar minha dúvida e ignorância, e pode até ser que inspire outrem a escrever melhor do que eu sobre a inspiração na arte de escrever.

Nós, humanos, temos conceitos, palavras, imagens, todo um arsenal para criar um outro mundo alheio a este vão mundinho em que vivemos. Criamos versos, criamos retratos, fazemos até ciência quando estamos inspirados. Inspiramo-nos em nossos semelhantes para escrever estórias, mas definimos parcamente a palavra inspiração. Será esta palavra a mãe das artes? Ou terá nascido de alguma pré-inspiração que acabou por dar origem ao momento do nascimento da poesia, do conto, do romance, da crônica?

Mordido pela palavra inspiração como o pária de Machado de Assis foi mordido pela mosca azul, eu perdi meu dia em pensamentos que ao findar de tudo não me disseram o que eu queria saber. Perdi-me na palavra inspiração durante o dia todo e não esclareci nem a mim mesmo. Ao terminar estes escritos, vejo que ignoro completamente o como nasceram a ILÍADA, a ODISSÉIA, que tanto admiro e que tento, almejo um dia chegar a escrever um décimo das palavras de HOMERO.

Mas, sem a inspiração, nada feito. Por isso, já que não estou inspirado, peço aos meus colegas mais sábios que me definam a inspiração para que eu possa retratar em versos aquela rosa vermelha que me inspirou.

Espera, aí... Eu disse que a rosa me inspirou?

18/09/2015
  • Publicado em: 10/05/2017
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