Escuto: - Luz!, após longa tarde de chuva.
- Luz , o Sol da noite! Alguém mais vê? Éle, Ú, Á!
Hêêêee!...
Amélia, a pacieente do hospital psiquiátrico, da qual dizem não
falar "coisa com coisa". Ha,ha!!! Se prestassem um pouco mais de atenção,
notariam que, na verdade, ela diz coisas geniais, entende tudo, porém
não é entendida. Nem faz questão!
Diz coisas propositalmente (ou não) de modo ininteligível pela
linguagem comum do cotidiano. Adoro escutá-la! Usa uma linguagem poética,
troca a ordem das frases, fala sobre cosmos, energia, estrelas, brinca com trocadilhos
como injeção, logo associando com encheção e dá
risada, principalmente quando demonstro ter entendido e rio junto.
Está sempre sorrindo, uma lucidez velada por trejeitos seus. Fazem fofocas
maldosas sobre essa paciente em sua frente, ela escuta e pensam que não
está captando nada do que dizem. Apenas sorri, ciente disso tudo também.
E sabe que eu sei. Rimos juntas. Afinal, quem são as tolas? Ela? Eu?
Para que ser compreendida por quem não consegue sair um palmo sequer
da superfície mundana?
Das pacientes, é a que mais me entende e vice-versa. Escondo melhor minha
loucura e divagações. Amélia simplesmente não se
importa, age como um pássaro contente com a liberdade de ser como é.
Contudo deve sentir muita solidão.
Escolheu pagar um preço alto de ser como é, sem auto-censuras
e podas de frescuras fúteis. Eu já não tenho tanta coragem
e ainda não cheguei à conclusão de vale ou não a
pena. Acho a solidão muito dolorosa prum risco desse tamanho.
O que ninguém imagina é que Amélia é de longe muito
mais interessante, inteligente, sensível e criativa que todas as outras
pacientes somadas. Há algo de genial dentro dela. Triste que não
possa ser valorizado justamente nesta cultura da imbecilidade.
Nem parece desejar algo assim. Somente não abre mão da liberdade
interior de ser o que é e ama seu ser, ao contrário de todas as
demais, incluindo-me.
Seria um espírito mais evoluído? Ou só mais uma louca como
eu num hospital pra doentes mentais?