Um dia, a águia disse ao mocho, em ternas frases: - O que lá vai, lá vai, é bom pormos-lhe ponto E fazermos as pazes. - Eu, cá por mim, estou pronto - Respondeu ele. E os dois juraram, abraçados, Respeitar um do outro os filhinhos amados. - Conheceis já os meus? - disse-lhe a ave triste. - Não - respondeu a águia. E a ave da ciência Disse: - Tanto pior. Se nada te resiste, Como hão de, dize lá, contar os meus filhinhos Com a tua clemência? Não lhes queria estar na pele, coitadinhos! Não, não me fio em ti, porque és rainha, e os reis Sabem agora lá para que são as leis! Vocês fazem o mal por um capricho reles. Filhos do meu amor! Se acaso os vês, ai deles! - Bem. Pinta-mos então, e escusas de ter medo, Que eu prometo aqui não lhes tocar com um dedo. O mocho respondeu: - Aqui tens os sinais: São muito pequenitos, Mimosos como a flor, esbeltos e bonitos, Como não achas mais; Tão bem feitos, tão belos, Que, por este retrato, hás de reconhecê-los. Falta-me, agora, ver se tu és descuidada, E me entra por ai por casa a Parca amaldiçoada. Hão de agradar-te, sei, mas faze a vista grossa E respeita-os por mim; Bem sabes que sou pai e que os pais são assim. Ai! Quem meus filhos beija a minha boca adoça! Deus dera prole ao mocho. E, em noite desabrida Que ele batia mato a agenciar a vida, A águia andando a corso avista, de repente, Nuns velhos casarões, todos esburacados, Uns monstrozinhos tais, de voz tão repelente, Tão mal feitos de corpo e tão desengraçados, Que ela disse consigo: - Não há que recear: não são do nosso amigo. E com um gesto guapo A rainha gentil logo os meteu no papo. Mas vem de volta o mocho, o mocho, que imagina Ficar ali de vez, Ao achar, pobre pai, dos filhos só os pés! Queixa-se, chora e pede aos deuses punição Para ela, a assassina, Que assim lhe veio encher de luto o coração! - É tua a culpa - alguém então lhe disse - ou, antes, É da lei que nos faz achar os semelhantes A nós, só porque o são, amáveis, lindos, belos. Por isso, os filhos nós perdemos, nós os pais; Se fizeste dos teus uns elogios tais, Como podia, dize, a águia reconhecê-los? |
(fonte: "Fábulas de La Fontaine". Tradução: Jaime Vítor
Rio de Janeiro: Editora Brasil-América - EBAL - SA, 1985)
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