De ardente sede obrigados,
Foram ao mesmo ribeiro,
A beber das frescas águas,
Um lobo e mais um cordeiro.
O lobo pôs-se da parte
Donde o regato nascia;
O cordeiro, mais abaixo,
Na veia d'água bebia.
A fera, que desavir-se
Com a mansa rês desejava,
Num tom severo e medonho,
Desta sorte lhe falava:
- Por que motivo me turvas
A água que estou bebendo?
E o cordeirinho inocente
Assim respondeu, tremendo:
- Qual seja a razão que tenhas
De enfadar-te, não percebo!
Tu não vês que de ti corre
A mim esta água que bebo?
Rebatida da verdade,
Tornou-lhe a fera cerval:
- Aqui, haverá seis meses,
Sei de mim disseste mal.
Respondeu-lhe o cordeirinho,
De frio medo oprimido:
- Nesse tempo, certamente,
Inda eu não era nascido!
- Que importa? Se tu não foste,
Disse o lobo carniceiro
Foi teu pai. E, por aleives,
Lacera o pobre cordeiro!
Uma fábula dá brados
Contra aqueles insolentes
Que, por delitos fingidos,
Oprimem os inocentes.
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