A Garganta da Serpente

La Fontaine

Jean de La Fontaine
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A tartaruga e os dois patos

(La Fontaine)

Estava enfastiada a tartaruga
Da negra e estreita toca em que vivia,

Por isso, um belo dia,
Apoderou-se dela
O desejo profundo

Do abandono à casa e correr mundo
A todos bem parece a terra estranha,
E sempre foi notória a grande sanha

Que o coxo tem à casa.

A dois patos foi ela então dizer
A viagem que tinha projetado.

Solene, autorizado,
O par lhe respondeu:

"Tens aberto o caminho,
E nós te levaremos
A um sítio que sabemos;

Verás muito país e muitas gentes,
Repúblicas e reinos florescentes.

Terás muito que ver
E muito que aprender.

Ulisses muito aproveitou com isso."

Os dois eram espertos,

E expeditos ao ajuste do serviço,
Que iam prestar à pobre tartaruga.
Foram logo fazer de um pau nodoso

Tirado de uma árvore,
Um engenho famoso,

A fim de transportar a viageira.

Agarra-se cada um

Valentemente a cada extremidade,
E apresentando o meio à tartaruga,
Disseram-lhe, com grande autoridade:
"Ferra aqui e não largues!"
A mísera assim fez,
Sem de leve temer
O que ia suceder
E foram pelos ares...

"Milagre! Gritam todos os que vêem:
Tartaruga voar é caso estranho.
Decerto que tem em si poder tamanho,
Que não cabe no mundo!"

A tartaruga, enfautada e louca,
Para responder vai abrir a boca,

Melhor fôra calada,
Pois logo num momento
Caiu arrebentada,
Aos pés do povo atento.

Vaidade, presunção, muita palavra
Reveladora do apoucado siso,
Tem a mesma origem,
Da mesma fonte brotam.

(fonte: "Fábulas de La Fontaine". Tradução: Jaime Vítor
Rio de Janeiro: Editora Brasil-América - EBAL - SA, 1985)

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