A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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O inimigo das elites

(Haroldo P. Barboza)


Durante as disputas eleitorais, partindo-se do princípio que realmente existe "oposição", ocorre uma preocupação com o programa de contabilização dos votos. De acordo com os interesses dos grupos dominantes, existe uma suspeita por parte de eleitores esclarecidos de que milhares de votos podem ser canalizados para os candidatos A ou B. Tal clima criado até chega a ser conveniente para dar certo aspecto humano ao processo. Similar aos calorosos debates que vendem jornais após um jogo de futebol onde a torcida do time derrotado por 5 x 0 culpa o juiz pelo impedimento que anulou um gol de seu time quando o placar adverso era de 2 x 0. E as discussões se o perneta que ganha R$ 200 mil reais jogará na semana seguinte. Ou se a morena que faz papel de empregada na novela da tv casará com o sujeito bem vestido filho do rico fazendeiro.

No entanto, considerando-se que o processo de administração pública é planejado de acordo com os interesses dos grupos patrocinadores para os próximos 10 anos, a "ditadura econômica" é arquitetada de forma a não deixar vestígios contundentes sobre as feridas que machucam a população. Preparam o candidato adequado para suceder o atual gerente (caso este esteja desgastado), bem como os que farão papel de "centro" e "oposição", que mesmo vencendo seguirão a cartilha dos poderosos, executando práticas contrárias aos discursos de campanha. Dentro deste planejamento bem equacionado, mesmo que o candidato preferido não vença, uma das duas alternativas maquiadas atende aos interesses do grupo dominante, mesmo dando um pouco mais de trabalho para empurrá-lo pela goela dos desesperados ansiosos por mudanças das condutas públicas. Assim sendo, a necessidade de manipular os votos tirando alguns de D e acumulando para B quase se torna desnecessária.

No entanto, existe um risco previsto pelos mentores do espetáculo teatral que não é conveniente correr. Este sim, o verdadeiro inimigo da estrutura que fascina o povo e o deixa anestesiado acreditando que ter saúde é possuir mais de 20 dentes na boca, liberdade é poder transitar pendurado pela parte externa do velho trem canibalizado, alimentação é pão com café, bom salário é mínimo e felicidade é sonhar com a loura da novela da tv colorida de 42 polegadas. Este inimigo perigoso é o voto nulo. Se o povo começar a perceber que dentro do circo seu papel é de mero palhaço com vestes de retalho e começar a demonstrar seu protesto através desta manifestação silenciosa mas poderosa, as bases podres do poder secular correm sérios riscos de abalo, que podem provocar uma queda mais estrondosa do que a do antigo império romano.

Assim sendo, com o advento das urnas eletrônicas, que canalizam votos para programas que não são liberados para conferência aberta (além do mais, os indicados talvez não tenham exata noção do que devem conferir e "assinam" qualquer coisa) e que se negam a imprimir um comprovante para posterior checagem aleatória, o maior risco de fraude (e mais dissimulado) corre por conta do desvio dos votos nulos em partes iguais para os 4 ou 5 candidatos que não possuem mais de 2% de chances de assumir o cargo ao qual concorrem. Hipoteticamente, se os candidatos A, B e C possuem juntos 55% das intenções de votos e a tendência dos nulos ronda os 40%, traduzindo a revolta do povo contra o sistema, o programa "idôneo"(?) deve reduzir esta cota para 10% e realizar a divisão do excedente pelos últimos colocados, para não chamar a atenção. E assim, a farsa diante do mundo é rotulada de democrática, limpa e moderna, avalizada por aqueles que não sabem nem manipular seus cartões bancários diariamente nos portentosos caixas eletrônicos. Imaginem usar uma maquineta mal encarada que se apresenta a cada 2 anos para validar um processo que não alavanca os projetos populares.

No caso de vitória dos nulos, a situação das elites seria catastrófica. Um segundo lugar, seria incômodo.

Tão logo termina a balbúrdia da festa da dança das cadeiras, a rotina volta ao normal. Os produtos básicos aumentam, o poder aquisitivo cai, o investimento industrial cai, o desemprego aumenta, as filas nas portas de hospitais e escolas se prolongam pelas frias madrugadas, os impostos são elevados e os políticos profissionais bem remunerados (e bem gratificados) fazem uso dos valores públicos conforme as definições de seus patrões. E usam a criatividade apenas para editar leis para os amigos ficarem impunes e elaborar novas promessas para "resolver" velhos problemas, alguns com mais de 100 anos de existência e com solução em menos de 6 meses.

Quem garante o destino correto do voto nulo se não há como conferir nada depois do pleito?

Se os votos dos puros não produzem efeito, talvez o nulo dê um jeito!

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