Não fui criada com minha Mãe. Quando papai partiu, ela teve que
trabalhar e não podia dar a assistência necessária ao trio
de filhotes. Ficamos com vovó. Eu sentia falta, mas a via todos os dias.
Até que ela foi trabalhar na Capital, tentando defender um melhor salário.
Lembro-me bem de como me alegrava quando ela vinha me ver e de quanto chorava
na estação quando o trem a levava embora.
No colégio se festejava o Dia das Mães. Eu, entusiasmada, recebi
o encargo de declamar uma poesia. Não sei quem era o autor, mas me lembro
que se chamava "Recordações". Nele, uma filha contava
que quando pequenina brincava com a mãe de esconde-esconde e, quando
fazia beicinho por não a ter encontrado, logo ela aparecia e a acariciava,
rindo de seu medo. Um dia procurou pela mãe, não a encontrou.
Fez beicinho, chorou e a mãe não apareceu para abraçá-la.
Estranhou, pois os adultos lhe disseram que a mãe estava apenas brincando
de esconder. Mas a mãe nunca mais voltou desse derradeiro esconderijo.
E a menina ficou com raiva do brinquedo de esconder... Os ensaios correram perfeitos,
eu decorara o poema inteiro e o declamava muito bem (segundo o meu fã-clube...).
No dia da festa, eu não tinha Mamãe comigo. Fui me emocionando
ao ver as mães das coleguinhas chegando, sabendo que a minha não
chegaria. Hora de minha apresentação: entrei, muito orgulhosa,
no palco. Comecei a declamar como estava ensaiado, com os gestos, trejeitos
e até beicinhos... De repente, aproximando-se - no poema - o momento
da morte da mãe, chorei. Tentei disfarçar, não consegui.
Terminei o poema com a voz entrecortada de soluços. A platéia
explodiu em aplausos. Mal fiz o gesto ensaiado de agradecimento e corri para
os bastidores em pranto convulsivo. Ouvia os gritos de "bis" do público
emocionado. Recusei-me a voltar, mas a freira encarregada de orientar os "artistas"
me forçou e até me deu um empurrãozinho em direção
ao palco. Obedeci. Não sei quanto tempo fiquei ali, cabisbaixa, apenas
chorando. As palmas não paravam. Olhei para o público: muitas
mães choravam comigo. Só me lembro de ter saído correndo,
sem nem mesmo agradecer...
Desse dia em diante fiquei com raiva do Dia das Mães...
Já no Curso Ginasial, quando se aproximava o dia, uma festança
foi preparada: muita música, várias poesias, um teatrinho infantil,
comes e bebes em profusão, bandeirinhas e bolas coloridas e muita alegria.
A festa estava programada para dali a uma semana, no pátio do colégio.
Na classe, duas coleguinhas, eram irmãs, garotas alegres e sapecas. Enquanto
a freira falava da festa, percebi seus olhinhos tristes. Entendi: elas haviam
perdido a mãe há menos de um mês. Saí da sala e fui
falar com a Irmã Diretora: sugeri que a festa não acontecesse
por causa da tristeza das pequenas órfãs. A Irmã ficou
comovida com meu pedido, mas não me atendeu, explicou que todas as outras
tinham mães e ela não podia suspender a festa por causa de duas.
Argumentei: mesmo se fosse apenas uma menina sem mãe, já justificaria
a suspensão da festa. Eu também não teria minha mãe
na festa, mas sabia que tinha minha mãe viva. Minha dor era bem menor
que a delas. Ainda assim a freira não cedeu. Aceitei porque ainda não
sabia brigar o suficiente..., mas não me convenci. E, em protesto, não
compareci à festa...
Adulta já, chega minha filha em meio a grande alegria. Tudo era festa.
Apesar da doença e de seus limites, sua infância me foi muito gratificante.
Eu nunca gostei do aspecto comercial dos dias comemorativos: das mães,
dos namorados, dos pais, natal etc. Mas sempre comprei um presentinho para que
minha filha me desse no dia das Mães, para que ela não se sentisse
diferente das amiguinhas. Ela se sentia toda orgulhosa ao me presentear, ao
me beijar. Já mocinha ela pegava um desses presentes e dizia: "fui
eu que te dei, né mamãe?" E eu também sempre me orgulhei
ao ser festejada nesse dia, desde que ela chegou para me realizar.
Mamãe já partira faz tempo. E, um dia... a filha também
partiu. Desde que se foi, apenas uma vez se lembrou que era Dia das Mães
e chegou de surpresa. Quando ela ligou dizendo estar na Rodoviária, perguntei:
o que veio fazer aqui? Ela respondeu, com seu jeito estabanado: "Dia das
Mães, né, Mãe?" Fiquei eufórica. Nunca antes
ela havia se lembrado e sequer telefonado. E aquela chegada me deu enorme alegria
e imensa esperança.
Mas na segunda ela se foi novamente. E nunca mais se lembrou... A alegria voltou
a ser dor e a esperança se acabou.
O Dia das Mães se descaracterizou para mim. Passou a ser tristeza. Não
tenho Mamãe para festejar. Fácil aceitar, são os caminhos
naturais da vida. Não tenho a filha querida para me festejar... Difícil
aceitar os caminhos invertidos da vida...
Apesar da nota triste, não termino triste esta crônica. Sei valorizar
o que de bom a vida me dá, quase sempre chegando por misteriosos caminhos,
mas sempre trazendo alegria. E sei que amo, ah, sim, amar eu sei bem... O amor
é sempre alegria, embora o pano de fundo seja sombrio. E o amor que a
vida me reservou não substitui mãe, não substitui filha,
não substitui ninguém. Ele é ele mesmo e seu amor tão
completo compensa todas as tristezas e ausências que não pude e
não posso evitar. E me sinto como todo o mundo: ninguém é
somente feliz ou somente infeliz... Importante é amar enquanto vida houver!
(11 de maio de 2003)