A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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A LAGARTIXA

(Géber Romano Accioly)

Sete mil e três da V.L. enquanto as águas de março do dia dez fecham o verão, em uma manhã com alguma nebulosidade, ele estava à procura de matar o tempo, pois confundira o horário do seu dentista conveniado de onze para oito; e por ter mais de duas horas "livres e desimpedidas" resolvera andar pelas cercanias da rua Marques de Tamandaré, no Poço da Panela por perto da margem do Capibaribe.

Logo de cara deparara-se com a construção de mais um "privê classe alta" em formato de um tremendo "espigão" e em cuja placa informativa lia-se: Trinta andares, dois apartamento por andar, quatro suítes, elevador panorâmico, garagem com três vagas, os scambaus necessários à felicidade de marajás do judiciário e barões do legislativo.

Por pura ausência do que fazer naquele momento, invadira, sob olhares atravessados e ressabiados de piões de construção fardados, o que restara de um pomar de uma mansão que após a morte do patriarca fora convenientemente transformada em "bufunfa" pelos herdeiros e perambulando "pelaí" aproximara-se de uma secular Cajazeira, com seus dias contados, pois já apresentava um grande corte, provavelmente desfechado pela "garra" de retro-escavadeira e de onde minava grossa camada de resina.

Conhecera aqueles sítios há muitos anos, com seus exuberantes pomares que serviam de abrigo para uma fauna variadíssima e, o que hoje resta é um Baobá "tombado" em mil novecentos e oitenta e oito pelo prefeito da época. (ainda bem!) Como somos destruidores em nome do progresso!!!

Olhando com mais atenção para a resina que minava do golpe, viu uma Lagartixa de mais ou menos quinze centímetros que ficara presa, talvez por nova e como tal inexperiente.

De pronto lembra-se do "Jurassic Park". Devaneios e fantasias de desocupado povoavam-lhe a mente: Dinos e mais dinos. Tirano Rex. Fóssil a daqui a trinta milhões de anos. Cajazeira petrificada...

Aproxima a mão para tocar o "fóssil" e ele pisca o olho: Tá vivo!!!

- Que enrascada, Menina! Que bobeada!! Ficar presa em resina e morrer lentamente!!!

Pega de uma pequena pedra para "acabar de vez com aquele sofrimento", mas um olhar nada fossilizado e transcendental de socorro, o detém.

Vem a sua mente a lenda budista da Aranha que salvara o rico do Inferno por nunca haver praticado outra boa ação a não ser, um dia, deixar de pisá-la.

Examinara com cuidado a "prisioneira babaca", percebe pelo tato que podia libertá-la, e com certo cuidado a livra da resina, mas...

Com o ex-fóssil, mas fortíssimo candidato a cadáver, à mão, vai mostrá-lo aos ajudantes de pedreiro que curiosos, devido ao tempo gasto e movimentos suspeitos junto à Cajazeira, demonstravam uma certa inquietação.

- Coitada! Fala um, será que molhando a resina amolece e dá pra limpar a bichinha?!

- É, tô de bobeira, mesmo! Não custa tentar e pelo menos passo o tempo.

Em contato com a água a resina começa a dar sinal que amolecerá e a Lagartixa dá umas débeis sacudidelas. Mãos à obra.

Ajeita aqui, raspa cuidadosamente ali, desentope uma das fossas nasais com um "desentupidor" improvisado de uma perninha de um "chié" que morrera e, duas horas mais tarde noventa e cinco por cento da resina havia sido retirado e a ex-liberta dava sinais que tentaria algo.

Colocada no chão, perto de raízes de árvores arrancadas, não dá sinal de vida e é novamente recolhida, mas inane.

Depois de sopros fortes nas fossas nasais e algumas delicadíssimas espremeduras como massagem cardíaca, dá algumas sacudidelas e movimenta debilmente o tórax dando sinal que está respirando... mas pára.

Novamente colocada no chão de um quintal, agora meio a capins, gravetos, ramas... nada.

O benfeitor fica ali olhando para a sua "pupila" na esperança que acontecesse um milagre e ela... sei lá.

Baixando-se e levando a mão para recolhê-la novamente para outra seção de "ressuscitamento", num zás a "finada" dispara quintal adentro sem pelos menos se despedir.

Já quase chegando a hora de ser atendido pelo seu dentista ele segue "feliz que nem pinto em m...", mas certo de que: pelo menos... Purgatório.

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