O termo civilizado (=que tem civilização, bem-educado, cortês,
estado de adiantamento e cultura social; alto grau de progresso e cultura) é
sempre usado em oposição a selvagem (= grosseiro, rude, rústico,
bruto, ignorante, que evita o convívio humano, ou gosta de viver só),
e esta oposição dá sempre ao primeiro uma certa superioridade
na escala evolutiva dos humanos. Tenho minhas dúvidas.
Mesmo pré-romântica e empírica a Teoria do Bom Selvagem
do Rousseau com suas Virtudes Primitivas se me afigura mais satisfatória
uma vez que também concordo com o homem nascer bom e puro, mas o contato
com sociedade o corrompe.
Por experiência própria sei que perdendo o contato direto com
a Mãe Natureza o ser humano se torna cada vez mais egoísta e deixa
aflorar o que de mais vil dormita em seu caráter. Cinco ou seis dias
longe do contato íntimo ou do mar, ou da floresta me faz irascível
e amargo. A solidão que proporciona a Mãe Natureza nos faz ver
como ínfimos somos e como fugaz é a nossa passagem por aqui. Nada
é tão perene e reconfortador como o contato com o solo das densas
florestas, sua sombra acalma. (O homem sempre calçado tende a se transformar
em um "colarinho-branco" na pior acepção do termo).
Nada é tão salutar como o contato com as águas dos regatos
frescos, das nascentes, das cascatas. O marulhar calmo sob o luar tranqüiliza
a alma.
Para o "selvagem" Deus é uma presença tão constante
que ele não necessita de nada que o "religue" a Ele. Sente
e vê Deus em todo. Respeita tudo e todos por entender que pertencemos
a uma só irmandade sem que haja superiores nem inferiores. Nada se compara
a se saber do tempo por saber-se, nada se compara a mensagem contida no vôo
de uma ave ou inseto. Civilizado não entende de céu nem de terra
nem mar. Ser "selvagem" é bastar-se, ser "civilizado"
é carecer de tudo.
Sentir-se acuado, sentir medo e desconfiança, necessitar de sempre levar
vantagem em tudo, demonstrar sempre e sempre que é o melhor por ostentar
mais, somente sentir-se seguro como coletividade são atributos inerentes
a condição de "civilizado".
"Olhando" para os civilizados com os olhos de ver faço meu
o pedido do Grande Mestre: "Pai, perdoai-os não sabem o que fazem!".