A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
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MULHENTIR

(Géber Romano Accioly)

O ponto ou princípio fundamental e inquestionável de qualquer sistema ou doutrina é chamado de dogma. Indo um pouco mais além da metalinguagem podemos ampliar este conceito para o que é imutável.

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Relendo o Machado recordo talvez, o menor perfil psicológico de uma personagem: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos réis; nada menos." Eis aí um dogma?

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- Como tem passado, Amigo?

- Mais ou menos! Danado da vida porque a minha ex-esposa (a que me trocou por outro "por não mais me amar", segundo o advogado dela) conseguiu judicialmente o dobro da pensão que lhe pagava por "direito adquirido". Mas mulher é assim mesmo: Só quer...

- Amigo, momento! não quero ser "advogado do diabo" pois nos conhecemos há pouco tempo mas não é bem assim. Há mulheres que amam sem nenhum interesse.

- Comequié! amar por amar! Arte pela Arte? duvi-de-o-dó!

- Não duvide não, pois lá perto de onde moro, mora uma "coroa que ainda dá para o caldo" perdidamente apaixonada por um garotão pobre, mas boa praça, que ela sustenta de um tudo e vivem felicíssimos! Ama por amar! Arte pela Arte. Nada de querer dinheiro. É amor autêntico!

- Quem é essa santa, Amigo!

- Sei que você não conhece e além do mais nos conhecemos há pouco tempo, mas...: Dona Fulana, que mora na rua tal assim, assim, e está perdidamente apaixonada por Fulano de tal assim, assim, e de tão felizes servem de exemplo para toda a circunvizinhança.

- Ah! é, Bebé! Dona Fulana, a perdidamente apaixonada, etc., etc. é a minha ex-esposa.

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Quando deixaremos de ler: "Foi pela mulher que começou o pecado, por sua culpa todos morremos" ou "É melhor a malícia de um homem do que a bondade de uma mulher: uma mulher causa vergonha e censuras"

Quando poderemos dissociar mulher e mentir e tornar incompreensíveis versos como: "Como é que a mulher vai viver sem mentir"

Quando poderemos ao nos deparar com textos desse teor dizermos: - Não acredito que as mulheres já usaram deste vil recurso!

Será que as raríssimas Amélias (ou as mais raras ainda: "A mulher que floriu meu caminho..." na Volta do Boêmio de Adelino Moreira) continuarão a ser exceção da regra?

Quase dez mil anos de civilização (levando-se em conta a da mesopotâmia) não modificaram a nossa outra metade, a nossa alma gêmea, "a mulher que me deste por companheira..." em nada?

Foi dogmatizada a associação simbiôntica entre mulher e mentir?

Mulher e mentir tornaram-se termos cognatos? Teremos de sempre associar um com o outro a ponto de um não existir sem o outro.Deveremos grafar mulher e mentir, ou mulher/mentir, ou fazendo uma aférese e uma apócope criar...

Mulhentir?

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