A Garganta da Serpente
Veneno Crônico crônicas
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

À Mãe Ausente

(Géber Romano Accioly)

O ano - dois mil e três.
O mês - novembro.
O dia - Segunda-feira.
A data - onze.
A hora - duas e quarenta e seis: É muito tarde!

É muito tarde, Mamãe, é muito tarde!

Lembro-me, (aos cinco anos), de quando nós partimos, de minha terra natal, para outras plagas, e, minha maninha inconsolável implorava: - Não vá "simbora" não, Maninho, fica comigo!
(Não lembro mais se ela chorava ou apenas, "comportadamente", sufocava o desespero - , somente sei que ela era linda, com seus quatro aninhos. Nunca mais nos vimos).
É muito tarde!

Por que, Mamãe, a vida superou o amor maternal e você deixou que nós nos separássemos?
Meu irmão mais velho para um lado. O junto de mim pra outro. O caçula pra acolá. A de colo nem conheci direito. (Só muito mais tarde, adultos, nos encontramos rápida e friamente, como estranhos).
É muito tarde!

Por uma longa infância capenga, minhas outras mães substitutas, nunca se esforçaram (ou se esforçaram) para preencher a lacuna que você deixou, e, com o passar do tempo, essa lacuna se transformou em abismo.
Você não viu cair o meu primeiro dente-de-leite.
Não cuidou de mim no meu sarampo, na minha caxumba, na minha catapora.
Nunca estava por perto para curar meus "dodóis". (Uns o tempo curou; outros foram aumentando, aumentando, aumentando...).
Nunca estava por perto para me socorrer na hora que eu levava desnecessárias e violentas surras. (costumeiramente injustas e por malfeitos de outro).
É muito tarde!

Você não conheceu minha primeira namoradinha e nem meu primeiro amiguinho e nem minha primeira professorinha; não me aplaudiu na minha primeira formaturinha em ABC.
Sua primeira substituta é que me dava banho, lavava minhas orelhas, penteava meu cabelo lourinho, lourinho, colocava lavanda em mim, remendava minha roupa e quando eu ia jantar era a quem eu pedia: - C, me dê pão. C, me dê leite (Me deleite).
É muito tarde!

Você nunca estava por perto quando eu chorava de saudade de você e dos maninhos ausentes.
Nunca estava por perto quando eu chorava, bem baixinho, de medo, ao acordar altas horas da madrugada, sozinho na cama depois de, sempre em sonhos, ter brincado com o mano mais velho, e ouvir a maninha suplicante: - Não vá "simbora" não, Maninho, fica comigo!
Nunca estava por perto quando eu chorava de tristeza, porque meu primo quebrava meus boizinhos-de-barro.
É muito tarde!

Por que, Mamãe, você partiu (tão moça e tão linda) e nos deixou? Eu, e os maninhos que por aqui ficamos, quase morremos de tanto chorar, por quê?
Lembra de quando nos encontramos, depois de uma eternidade de separação, por uns breves instantes, da frieza com que nos cumprimentamos e nos abraçamos? Até hoje não me perdôo por não ter trazido você comigo, mas...
Ainda não era muito tarde!

Por que, Mamãe, eu nunca pude chorar a sua saudade e ter de ouvir calado quando diziam (e dizem): - Que mãe desnaturada!
Por que, Mamãe, eu não pude ver você ir ficando com os cabelinhos branquinhos?
Por que eu não pude chorar, junto a você, quando partiu pela última vez. (Como dói!)
É muito tarde! Agora é muito tarde, mesmo! Tarde demais!

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente