Escamas crispadas sob um sol estranho, o ápode insiste em seguir rasteiro,
tentando impor seu veneno cada vez que lhe pisam a cauda para tentar arrancar
seu chocalho.
Dentro da cavidade peçonhenta, ainda fibrila um coração
humano, sujeito a todas as intempéries e necessidades que nos limitam.
O tempo vem diminuindo, de forma lenta de contínua, tentando abalar a
teimosia dos que insistem na palavra.
Há tempos a língua se calou para permitir as vozes que habitam
sua garganta. E há milhares de sílabas engasgadas precisando escapar.
Ainda assim, a serpente insiste em oferecer o que lhe tem sido negado, sob a
gratidão e a violência de ânimos virtuais.
Infelizmente muitos não compreendem as limitações, não
toleram as falhas do sono e das mãos cansadas, não admitem a convivência
com as diferenças de idade, de qualidade , de estilo, de vivência...
e não acreditam que não há nenhum capital que sustente
esta insanidade. Se houvesse, haveria também um abençoado tempo
a ser aproveitado lambendo as próprias escamas e indo em busca de belas
presas.
E a serpente permanece bifurcada, entre a teimosia do sonho e o cansaço
imenso dos dias inférteis. A correspondência talvez nunca mais
fique em dia. Os trabalhos, infelizmente, têm aguardado publicação
por mais de um mês. Os vírus não param de chegar nos e-mails
exclusivos para recebimento de trabalhos. Porque o ofídio desperta paixão
ou ódio, sem nuances.
Ainda assim, sob toda pressão para mudar de rumo, a liberdade de publicação
vai continuar. A garganta continuará aberta a todos os que queiram participar.
A autocrítica de cada um vai continuar sendo o único critério
de seleção. A convivência e a comparação com
as diferenças, a oportunidade de se expor a opinião dos leitores,
são tudo o que nossos habitantes precisam para se lapidarem - ou não.
O tempo dirá quem vai deixar seu rastro e quem descansará nas
tocas do esquecimento. E não se enganem pois o nosso tempo nem sempre
é justo. Mas aqui, nos meandros virtuais dessa cobra obscura, sempre
haverá espaço para que um escritor e um leitor possam nascer.
Alguns continuarão rastejando, outros conseguirão engatinhar e
muitos vão aprender a andar, evoluindo do átomo ao ovo, dos répteis
aos mamíferos, dos símios ao homo sapiens.
Que o universo nos proteja nessa jornada.
Afie seu lápis, tire o pó do teclado e venha conosco.