Seiscentos dias de taciturnidade
De repente, adotamos sonhos alheios, na parva esperança de prosperar e retornar.
Mas o tempo se esvai, implacável, ensinando dolorosamente a jamais abandonar as coisas sagradas que pertencem aos pronomes possessivos da primeira pessoa do singular.
Mas o tempo se desvanece, sádico, mostrando que o único alimento plausível é aquele que colhemos dentro de nós mesmos, não nas galáxias impossíveis.
Enquanto isso, a garganta áspera engole as chagas, anestesiada com um ou outro descuido lacrimal.
O fardo insustentável das renúncias fez o coração se pôr, a vida se paraliticar.
E se passaram meia dúzia de centenas de noites inquietas, olhos embaçados, braços contorcidos e pensamentos ápodes.
Álvaro conduziu a serpente dos campos do inferno até a tabacaria: "
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer."
De repente, sem escamas, sem escusas, o improvável retoma as rédeas, macera os coágulos e o sangue gelado recomeça a se liquefazer.
Será que ainda é permitido ressuscitar?
Será que a esperança não prescreveu?
Será que só sobrou a teimosia insensata?
Os movimentos serão lentos, pois é preciso remover a ferrugem, espantar o pó, escrutar os azinhavres, voltar a bipartir a língua, curar as escaras, retomar o ofício, sílaba por sílaba.
Há milhares de mensagens que estão intactas, desde que a ampulheta parou. Há muita preocupação, muita indignação e inesgotáveis questionamentos a serem respondidos.
Recobro, ainda atordoada, a ousadia da mesma escolha, os desígnios da mesma sina, reafirmando os votos de outrora.
"
Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos", amparada por Maiakóvski, e faço o juramento: se o mundo não acabar, o verbo vai voltar.
Peço a todos desculpas, paciência e complacência.
Que T.S. Eliot me resguarde: "
que eu não mais me aproxime do reino do sonho da morte."
Com um abraço de cobra
Agostina Sasaoka.
(12.12.2012)