Maioridade
Relembro o tempo de trevas sobre a face do abismo. Quando, depois das estrelas e antes de ti, fui a primeira a rastejar sobre a terra recém-criada. E a primeira a ser amaldiçoada.
Ouço lá fora, o clamor pagão da carne. E aqui dentro, o batuque catatônico no peito.
A maioridade chega enquanto o coma ainda insiste, sob o peso insustentável da ausência dos fonemas. Porque acordar é admitir o insuportável, é sucumbir à execração do tempo.
Incapacitada de reverter, incapaz de esmorecer, proibida de morrer. Alma sedada e escamas baixas, o ofídio aceita e esconjura sua sina bíblica.
Observo o flagelo do novo guardado há anos, envelhecendo sem ter nascido. E sei que para recobrar o rastro é preciso regurgitar o pretérito.
Estou aqui, imersa em pó, teias e agouros. Remexendo palavras e cicatrizes. Estou preparando para lhes oferecer o meu passado para atrair o porvir.
O incerto impera e só onde o vazio dominou é possível armazenar a esperança.
Desejo que, hoje, seja o último aniversário de todos os nossos sonhos engavetados.
Agostina Sasaoka.
(18.02.2017)