Minha cabeça está leve.
Não quero nada. Nem um chá. Obrigada. Nada desejo. Nem morrer.
Pois tem gente que às vezes quer morrer, você sabe.
E, você sabe, quando morremos, deixamos a individualidade e retornamos
ao Todo.
Talvez esse Todo seja Deus, então, lhe digo, não tenho pressa
de "ser Deus".
Estou leve, deixe-me ficar comigo. Apenas é o que lhe peço, amigo(a).
Nem para o deserto desejo ir. Para lá só vão os valentes.
Para o deserto, já bati pé que eu iria, mas acho que era só
charme, daquela vez.
Minha cabeça está leve, veja só: nem tudo é tão
ruim assim.
Mamãe foi morar na capital. Mamãe está de apartamento
novo. Estante nova e novos livros. Anda lendo. Só o que me incomoda é
que ela não se interessa em aprender a usar o computador. Minha mãe
faz amizade fácil com as pessoas, e conforme disse-me ontem, enquanto
escovava a dentadura (arcada superior, achei-a diferente sem dentadura, há
anos eu não a via sem) "entrei para um grupo tão legal, a
gente visita as pessoas idosas, confecciona peças para bebês carentes,
faz passeios...".
Ah! Atualmente minha mãe corta os cabelos em outro salão e vai
sozinha ao Mercado Municipal, comprar tainha. Meu Deus, será que quando
eu passar dos 80, que nem ela, conseguirei ir sozinha ao mercado, comprar peixes?
Mamãe está mais feliz do que é, acredite. E eu talvez
seja mais leve do que estou!
Filhota é uma mulher linda, mas será sempre minha criança,
claro, pois quem é que se livra de mãe? Com a idade dela (21 aninhos),
eu não sabia usar um computador e muito menos dirigir um automóvel
numa cidade de médio porte, como aquela onde ela mora. Com a idade dela
eu não sabia assar uma anchova, fazer um bolo, um feijão, uma
sobremesa e - nem pensar! - eu saberia suturar a mão de um senhor de
60 anos, como estagiária num pronto-socorro de hospital. Com a idade
dela eu já era a mesma de hoje. De notória preguiça e leveza.
À época, já dizia que gostaria de estar sempre tecendo
considerações acerca do nada. Pura falta de juízo, pois
ignorava que o nada existisse.
Filhota estuda muito, isto me aborrece. Me dá dó. Mas se não
estudar, como poderá ganhar a vida? Está tudo tão difícil
hoje. Mas filhota ainda arruma tempo pra namorar. Porque, convenhamos: namorar,
ficar, ir a festas, é preciso. É como navegar.
E eu tô leve. Minha cabeça está leve. Levemente triste.
Não, obrigada amigo(a), não quero nada. Nem que você me
telefone! Agradeço. Na sinceridade. Eu só quero mesmo é
ter o direito de ficar quieta. Não vou abrir meu "autiluqui".
Então você está dispensado(a) de enviar-me mensagens.
Até meu marido está chateado comigo, pois não quero ver
tevê com ele na cama. Na cama só quero dormir. Não pra sempre,
claro! Que a vida não se livra da gente assim. (A vida se livra da gente
é quando ela bem entende que deve fazê-lo.)
Sim, sei que há casos de pessoas que se desesperam e cometem suicídio,
libertam-se da vida. Mas sou a pessoa mais preguiçosa que mamãe
já teve (e foi ela mesma quem falou). Minha preguiça é
tamanha, que gosto de acordar cedinho pra ter mais tempo de fazer nada. Uma
pessoa assim, como eu, raramente desfaz-se de algo que não esteja indo
bem. Mesmo que seja a vida.
Deixe-me amigo(a), por favor. Deixe-me. O máximo que lhe peço
é ter o mínimo direito de estar triste. Estou apenas leve. Levemente
triste. Pega leve!
Outro dia, liguei para uma amiga muito amada (já passou dos oitenta
também, que nem mamãe), ela falou-me só de coisas boas
quando lhe perguntei se estava bem. Disse-me ainda, em tom muito leve, "Fátima,
eu só preciso de paz". Depois convidou-me a ir vê-la.
Estou leve, levemente triste. A tristeza leve é uma coisa assim meio
aborrecida, porque quando se trata de uma tristeza pesadona os amigos ajudam
a carregar.
Amigos, desculpem-me, não estou com vontade de conversar com vocês.
Ah! E deixem para me visitar em outra ocasião. Se de fato me querem bem.
Tenho a impressão de que o sinônimo mais adequado para a palavra
REALIDADE é: LEVEMENTE TRISTE.