Nesta semana, na quinta-feira, o povo dos Estados Unidos comemora um de seus
maiores feriados: Thanksgiving.
Em 1621, neste mês de novembro, um bando de peregrinos celebrou sua primeira
colheita em solo americano. Eles chegaram a bordo de um navio chamado Mayflower,
e eram membros da Igreja Separativista da Inglaterra. Haviam fugido primeiro
para a Holanda, devido à perseguição religiosa, e de lá
dirigiram-se para o que era conhecido na época como o Novo Mundo, pensando
em construir para si um lugar onde fossem livres para seguir sua religião.
A terra americana, entretanto, era povoada por diversas tribos indígenas.
Ora, no início, os peregrinos se deram bem com todos. Aos poucos, porém,
eles começaram a querer impor seus costumes e sua religião aos
que os cercavam, e os problemas começaram. Para que entendas o que houve,
é preciso que entendas primeiro quem habitava as terras do Norte.
Ora, para os nativos americanos, a Terra pertencia a todos. Os animais eram
de todos. A Natureza era sagrada, regida pelos elementais do Fogo, do Ar, da
Água, da Terra. Eles não conseguiam entender a idéia de
que uma mera cerca ao redor de uma área significava que as terras, os
animais e o ar dentro daquela cerca eram propriedade particular de alguém.
Como podia a terra ser propriedade de alguém? Como podia o ar ser propriedade
de alguém? E os rios, e os animais, e as plantas? Então continuaram
a caçar livremente. Para seu espanto, começaram a ser rechaçados
a tiros. Depois de muitas mortes, empunharam seus arcos e flechas para defender
sua própria vida, e foram então chamados de agressores e assassinos.
Os poucos nativos que foram aceitos pelos peregrinos eram obrigados à
conversão ao cristianismo. Caso se negassem, eram considerados inimigos,
e paulatinamente perseguidos e assassinados como feiticeiros, bruxos, filhos
do demônio. Suas aldeias foram dizimadas. Seus totems derrubados. Seus
objetos sagrados queimados.
Assim, o povo que fugira da perseguição religiosa na Inglaterra
passou a ser o perseguidor e o opressor na América. Aos poucos, sem a
menor consciência de culpa, foram dizimando a população
nativa. Afinal, os nativos não eram "salvos"! Eram apenas ateus
bárbaros, pouco mais que animais... Matar um nativo era tão sem
importância quanto matar um búfalo.
Séculos mais tarde, quando os movimentos contra o racismo começaram
a ficar populares nos States, os remanescentes dos nativos se uniram a eles.
À medida em que as raças africanas adquiriram mais direitos e
liberdades, porém, os nativos não conseguiram as mesmas regalias.
Afinal, sem suas terras sagradas, como poderiam voltar ao cultivo de sua ancestralidade?
E assim, os nativos americanos continuam, ainda hoje, a batalha pela sobrevivência
de sua cultura.
Não, Thanksgiving não me parece ser uma comemoração
de agradecimento pela bondade divina. Parece-me mais como uma celebração
da soberania e do poderio religioso de uns poucos fanáticos armados,
contra um dos mais pacíficos e belos povos que já habitou nosso
planeta.
Sim, eu comemoro Thanksgiving. Mas não comemoro nenhum agradecimento
pelo "direito" de adoração de uns em detrimento dos
direitos de todos os demais. Comemoro Thanksgiving em memória de todos
os guerreiros e guerreiras nativos que caíram em solo americano, lutando
pela liberdade das águas, a liberdade dos ares, a liberdade das plantas,
a liberdade da luz e a liberdade das sombras.
E um dia - o qual eu não verei, e creio que tampouco o verão meus
netos, ou os netos de meus netos - outra vez reinará na América
e no mundo todo a liberdade de todas as coisas e de todos os seres viventes,
e o canto dos nativos outra vez voltará a soprar no vento, livre e belo
como a voz das águias nos altos montes.
E talvez, se o homem não estivesse tão certo de que suas idéias
e crenças são melhores do que as de alguém mais, e não
destruísse e matasse por elas, esse dia nunca precisaria chegar.