Então, quem escolhe sair da correria sangrenta dos acontecimentos nacionais
e mundiais é chamado de ignorante, iletrado, burro.
Amigos, acho que todos sabem que me encaixo naquele grupo abominável
dos... "intelectuais".
Pois nos últimos tempos, contudo, juntei ao meu redor uma considerável
quantidade de novos amigos e amigas. Eles e elas não escrevem belos textos
(e, se escrevessem, seria com muitos erros de gramática e sintaxe), não
leem muito jornal, não participam de discussões acaloradas sobre
política e religião. Ocupam seu tempo livre com artesanato, com
figuras, lendo Stephenie Meyers e Dan Brown, e assistindo a novela das oito
e o futebol do canal 60. Gostam de Edson&Hudson e mal sabem quem é
Stravinsky, muito menos Apocalyptika.
E, de repente, estou sentada em uma sala de estar com um grupo de amigas. Ouvindo
Edson&Hudson, dançando samba e dando risada. Discutindo seriamente
o enredo de Crepúsculo e a melhor maneira de se fazer uma pizza.
Decadência? Ah, não, meus queridos. Depois de ter passado 9 minutos
e 45 segundos morta, depois de ter perdido tudo, conseguido tudo de volta, de
ter sido rica, pobre, ruiva, loira, escritora, tradutora, artista plástica,
isto e aquilo, (como disse meu filho no prefácio de um de meus livros),
descobri que tudo isto não passa de estágios na espiral. Espiral
ascendente ou descendente? É, sim, a Árvore da Vida é uma
escada em espiral, e nela não há "para cima e para baixo".
É apenas uma escada em espiral.
E, no ápice, não se encontra o conhecimento máximo, ou
o entendimento máximo. Não está a Razão (com letra
maiúscula) ou as Respostas (ah, as maiúsculas!).
No ápice da Árvore da Vida está a simplicidade e a tolerância.
A paciência e a compreensão.
No ápice está o riso despreocupado, não porque não
se interessa pelas crises do mundo, mas porque sabe que todas as crises do mundo
são causadas por pequenas crises, aquelas da vida de cada indivíduo
- e que a crise da fome não passa discutindo-se sobre a fome, mas estendendo
o garfo a quem, faminto, bate à sua porta. Tão óbvio, não
é mesmo? Tão vulgar escrever isto!
A coisa é que a crise da guerra não passa discutindo-se sobre
direitos e deveres e divisões de terra e petróleo. A crise da
guerra passa quando nos recusamos a lutar por idéias e por grupos e por
povos, e passamos a lutar por indivíduos - um por um, aquilo que temos
à nossa frente para lutar. A menos, é claro, que tenhamos as rédeas
de governos nas mãos, ou sejamos arautos da mídia. Daí
a responsabilidade é maior. Claro.
Retirei-me de listas e blogs de literatura, política, misticismo e religião.
O vazio de discussões infindas e inúteis me pareceu perda de tempo.
Então dou risada ouvindo Edson&Hudson, sabendo que meu companheirismo
vai curar mais dores nos corações dos que me cercam, do que toda
teoria que posso lançar em uma discussão sobre os valores da guerra
no Oriente Médio.
O Oriente Médio está lá. A mulher abandonada pelo marido,
com três filhos para cuidar e educar com seu salário de professora
municipal, está aqui ao meu lado. E se escutar Edson&Husdon com ela
vai lhe ser conforto, é isto o que vou fazer.
Se há um trono celestial perante o qual nos apresentaríamos, nenhuma
voz me perguntaria: "Dalva, o que você fez para melhorar a crise
do Oriente Médio?
A voz, entretanto, perguntaria: "Dalva, o que você fez para melhorar
a crise emocional, espiritual e material de Dona Maria?"
E eu seria julgada conforme Dona Maria, não conforme o Oriente Médio,
mesmo que tenha gasto páginas e páginas escrevendo a respeito.
Sim, essas páginas me seriam pontos favoráveis, mas não
mudariam nada.
Tudo isto porque nos foi dado, a cada um de nós, uma tarefa bem clara
de direitos humanos. E se não lhe coube mudar a História, coube-lhe
mudar a história de um tal de Seu João, uma tal de Dona Maria.
E se você falhar nessa simples tarefa, não importa quantas noites
passou em claro discutindo inteligentemente a situação do Oriente
Médio. Se você falhou no pouco que tinha em mãos para fazer,
VOCÊ FALHOU.
Não sei sobre você, mas eu me recuso a falhar. Portanto, ainda
que continue a escrever sobre as grandes crises do mundo, recuso-me a discuti-las.
Escrevo porque tenho milhares de leitores esperando minha opinião, mas
não vou deixar que isto tome tanto do meu tempo, que eu não tenha
tempo para as crises de Dona Maria.
Dona Maria é meu Oriente Médio, minha crise financeira mundial
e meu problema da fome na África. Se eu falhar à Dona Maria, estarei
falhando ao Mundo.
Agora pense quem são suas Donas Marias e seus Senhores Joãos,
e o que lhe custaria fazer parte do mundo deles, e estender-lhes a mão.
Parece piegas, não? Literatura de auto-ajuda. Pois, para o horror de
quem me lê neste momento, digo-lhes que levei mais de trinta anos para
perceber que o trabalho de Paulo Coelho foi mais importante ao bem-estar do
povo brasileiro do que o intelectualismo vazio do falecido Paulo Francis.
Poizé...